Textos
LITERATURA E JORNALISMO NO BRASIL
17/10/2013 22:20No século XIX, os principais escritores brasileiros eram também jornalistas. Machado de Assis seria o exemplo mais conhecido.
Como o jornal se encarregava de oferecer emoções diárias, quer mediante o noticiário político, policial, esportivo e cultural, quer na divulgação de folhetins narrativos, suspeitou-se que a Literatura, principalmente no campo da ficção, sofreria uma forte retração no gosto dos leitores. Os livros ficariam numa escala subalterna, recolhidos às finalidades didáticas.
Mas o jornal, para atingir camadas populacionais mais extensas, cuidou de adaptar a linguagem à expressão próxima da oralidade. Adotou um coloquialismo distanciado das pompas de estilo então vigentes entre os escritores. Desataviou o linguajar, tornando-o mais acessível ao homem comum.
Tal estratégia contagiou os próprios criadores de Literatura. Desse modo, o jornalismo, de certa forma, dotou os escritores de uma linguagem mais ágil e comunicativa na poesia, ficção e no ensaio. O estilo de um Coelho Neto seria a reminiscência de uma escrita literária arrevesada, postiça, cheia de afetação e exuberância vazia. Lima Barreto e o chamado “romance o Nordeste” atestam outra fortuna de nossa criação narrativa.
Os folhetins passaram a ser a matriz dos principais romances que, testados para o grande público, na primeira versão jornalística, tomariam, a seguir, a feição do livro.
O mesmo se dirá das revistas, que publicavam poemas, crônicas e contos que, mais tarde, acabavam recolhidos a outro suporte, o livro. O conto moderno, segundo alguns historiadores, é fruto das revistas. A crônica se tornou um gênero especial para o jornalismo brasileiro.
O jornal acabou por incorporar às suas folhas o suplemento literário, páginas de grande prestígio no meio intelectual do país. Nos últimos tempos, os suplementos foram-se extinguindo ou se modificando, de tal modo que sequer podem comparar-se aos antecessores. A indústria cultural os extinguiu ou deformou totalmente: passaram a ser mero setor do comércio de livros, ou refúgio do noticiário da sociedade do espetáculo, sem densidade crítica, ou especulativo. A tal ponto que, na quase totalidade dos “cadernos culturais”, o autor brasileiro figura como exceção, em face do espaço concedido a artistas da televisão, das telenovelas, da música popular, ou dos escritores de produções em série para o grande público, os tais best-sellers, quase sempre estrangeiros.
O escritor vive hoje em certo isolamento, não obstante ter obtido um público antes diminuto: o dos estudantes de nível superior. A população universitária aumentou consideravelmente e a alfabetização tem contribuído para elevar o número de leitores. Perante o fracasso do ensino adaptado exclusivamente aos interesses egoísticos e pragmáticos, percebe-se uma reação positiva ao atraso em que o país se meteu se comparado aos demais países em vias de desenvolvimento. Com a incorporação de valores humanísticos à expressão escrita, é seguro que o Brasil poderá levar avante o seu projeto civilizatório, até hoje embargado pela deficiência da educação. O Jornalismo e a Literatura certamente se beneficiarão do esforço educacional.
Fábio Lucas, crítico literário e escritor. Trecho tirado do livro: O Poliedro da crítica, 2010.