Alguns aspectos da lenda de criação do mundo do povo Araweté, habitantes da região do rio Xingu (blog), revelam, para mim, profunda sabedoria:

1) CÉU E TERRA - a divisão entre os dois só aparece quando há desamor. Não foi necessário apelar a nenhuma entidade especial. A divisão 'bem x mal' nasce da discórdia, do insulto, da gritaria. Portanto, céu e terra estão em nós, é da responsabilidade de cada um.

2) DOENÇA, VELHICE, MORTE - são reconhecidos como fontes de sofrimento humano. Apresenta-se um contraponto, um estado de coisas em que nada disso se verifica - a vida dos deuses num céu que, por sua vez, tem subdivisões: o céu do céu. Se tudo isso está em nós, há uma alusão a que a mente humana possa se elevar a estados mais altos de consciência. Lembre-se que os deuses são descritos à semelhança daquele povo, índio, pintados e bonitos.

3) TRABALHO X LAZER - no desamor, é assim que enxergamos a vida, cheia de contradições, como se uma coisa pudesse compensar a outra; como se uma coisa fosse preferível a outra. A ilusão disso tudo está em que a dualidade só acontece no desamor, nos estados mundanos de consciência.

4) NOÇÕES DIFERENCIADAS DE TEMPO - nas condições favoráveis do céu, da amorosidade, o tempo parece não passar, ao contrário do tempo mundano, finito. Entretanto, para o povo Araweté, mesmo a impermanência tem seu lado bom, o da esperança: a fé de que o ruim acaba passando também.