PERCUSSÃO E PRECONCEITO
Apesar de constituir a base da música popular brasileira, até hoje a percussão é encarada de forma pejorativa e discriminatória. Por que isso acontece? A razão é simples: Os instrumentos de percussão, intimamente ligados às tradições religiosas afro-brasileiras, foram historicamente associados às camadas mais pobres da sociedade como “instrumentos de preto”.
Os instrumentos tradicionais de harmonia estão respaldados pelo academicismo europeu. O que não é europeu não é “culto”, não é “erudito”. Antigamente, o músico que tocava violão, piano ou algum instrumento de sopro tinha muito mais “status” do que um percussionista. Este era chamado de ritmista e frequentemente ganhava menos do que os outros músicos.
Muitos dos ritmistas eram egressos dos gêneros afro-brasileiros de tradição oral, tais como: samba de roda, partido alto, capoeira, escolas de samba, candomblé Ketu e Angola, maracatu, bandas de pífano, etc. Não tinham muito conhecimento das estruturas formais da música popular europeia e muito menos da educação musical europeia. Até hoje encontramos reflexos dessa situação. A riquíssima cultura percussiva brasileira não é devidamente valorizada no próprio país. Os exemplos são inúmeros, cada percussionista tem um caso a contar. Eis um clássico:
Bares, restaurantes ou casas noturnas onde há música ao vivo e uma certa proximidade da plateia com o palco (muitas vezes improvisado). Acontece com muita frequência, um cliente subir no palco e pegar um instrumento de percussão pra tocar. Frequentemente está bêbado e pega o instrumento sem o consentimento do percussionista. Quase sempre não sabe tocar ou toca muito mal, mas para o cliente, isso não faz a menor diferença. Acha que está “arrasando” e que os instrumentos de percussão estão ali ao seu dispor. Não faria o mesmo com qualquer outro instrumento, salvo raras exceções.
Arrisco dizer que o total reconhecimento e reverência à percussão e aos ritmos do Brasil fazem parte de um projeto mais amplo de ascendência do povo brasileiro à plena cidadania, de descoberta e valorização da sua identidade, de seus bens culturais, de seus saberes e virtudes.
Bill Lucas, percussionista e professor de percussão